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O psicólogo no trabalho humanitário – adaptar-se e adaptar, ensinar e aprender


A importância da intervenção em saúde mental junto a sobreviventes e beneficiários de projetos humanitários é relativamente recente e tem impacto no crescimento do número de profissionais da psicologia e mesmo da psiquiatria dedicados ao trabalho humanitário.

O certo é que um psicólogo que atua em projetos humanitários fora de seu próprio país terá como eixo de sua prática a adaptação. Adaptação ao contexto e à cultura de outro, adaptação à atuação junto de equipes pouco familiarizadas com a presença de um psicólogo, adaptação e mesmo criação de ferramentas de intervenção. Adaptação pessoal, em um local ausente de referências pessoais.

O exercício do olhar dá-se desde a chegada. Este olhar muitas vezes é permeado de estranhamento, curiosidade, fascínio pelo novo para o que veio, de olhares alheios que também trazem com a presença desta nova pessoa que chega precisamente o mesmo: estranhamento, curiosidade, fascínio pelo novo, para o que veio aquela pessoa que ali chega.

Muitas vezes, não há atuação direta com os beneficiários. Significa que se coordenará e capacitará a quem fará o trabalho de escuta, alguém do próprio país, com maiores possibilidades de identificação e pela questão linguística. O olhar ‘de psicólogo’ então, na falta de poder escutar as palavras, escuta olhares, gestos.

Além disso, cada projeto tem sua peculiaridade. Envolve ensinar, ser ensinado, trocar conhecimentos com colegas dali e de fora. É também promover técnicas de relação com as pacientes, oferecer novas dinâmicas, organizar a captação de dados para fins estatísticos e aprimorar a relação entre os diferentes interventores. Isso significa sensibilizar outros departamentos para a importância do suporte psicossocial, compreensão do trabalho e capacitar os profissionais de outras áreas a reconhecer demandas de intervenção psicossocial.

O desenvolvimento de ferramentas e materiais de apoio é outro componente importante do trabalho do psicólogo no campo humanitário. Esta criação se dá no trabalho em conjunto com colegas locais, que oferecerão sua percepção do contexto e referentes técnicos alocados nos escritórios que sediam o centro operacional da organização.

Posteriormente, com o reconhecimento da necessidade de se aprimorar a atuação em Saúde Mental no campo humanitário, guias e manuais elaborados pela Organização Mundial da Saúde e outras organizações foram lançados em 2010, como o IASC[1]. O GI-mhGAP e o Guia de Primeiros Cuidados Psicológicos[2] para trabalhadores de campo, foram ambos lançados em 2011. Estes documentos, todos disponíveis online, tem como foco o desenvolvimento do trabalho em saúde mental em contextos humanitários, em especial conflitos armados e desastres. Tais documentos tem em comum a ideia de que sua utilização não se restrinja a profissionais de saúde mental, como psicólogos e psiquiatras, mas sim que possam ser uteis em contextos onde tais profissionais não se fazem presentes.

Por fim, a nossa passagem por estes países é temporária, mas a possiblidade de deixar algo é atemporal. Por vezes, a instabilidade nos locais onde se pretende trabalhar torna difícil estabelecer um plano de ação a médio ou longo prazo. É necessário aproveitar os momentos possíveis de permanência nos locais de trabalho para executar algo.

O aprendizado é saber que haverá limites. A adaptação é saber que, por mais que se tenha escrito materiais, formado pessoas, cada lugar é um novo começo. Leva-se, é verdade, muito do que se aprendeu em cada lugar. Mas sabe-se que muito ficará ali e não poderá ser levado. Deixa-se com quem fica e isso já fez valer apena.

Descobrimos que, ainda que formar outras pessoas seja parte essencial de nosso trabalho, somos ao mesmo tempo formados. Aprendizado e adaptação se mesclam. Neste trabalho, aprendemos a nos adaptar, adaptamo-nos para aprender.

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