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Você é quem diz que é?


Esta pergunta, de cara, já obriga a pensar e perguntar-se: Mas o que eu digo que sou? As respostas ajudariam a traçar um pouco dessa maneira de perceber-se, de se colocar no mundo, de se anunciar e em nossos dias, o que queremos que saibam de nós através das redes sociais.

Temos daí duas questões: Uma é o quando dizemos o que querem que sejamos. A outra, o quanto acreditamos no que dizemos sobre nós. E as duas tem alto grau de parentesco! O psicanalista francês Jacques Lacan cunhou uma frase que em princípio parece ser uma boa charada: “Eu penso onde não sou. Sou onde não penso”. Basicamente, o que ele quis dizer é que não somos totalmente conscientes de nossas ações. E por mais que tentemos ter controle sobre tudo, não somos totalmente capazes de fazê-lo. Ser onde não se pensa seria nossa identidade real, inconsciente e pensar onde não se é a consciência que reflete sobre nosso interagir com o outro e seu meio.

Descompliquemos. Já escondeu que gostava de um determinado de música para não ficar mal com o novo crush? Já disse ao chefe que ficará de bom grado até mais tarde ainda que lamentando por ter que cancelar o plano daquela noite? Já comeu o que não gostava por educação? Sem problemas! Afinal, são algumas maneiras de sobrevivência social. Nestes casos, está claro que dizemos ou fazemos algumas coisas sabendo muito bem que não é o que queríamos. É consciente. Mas esse dizer ou fazer sem querê-lo tem também um outro lado: Agimos assim seguindo o que NÓS acreditamos que vá agradar mais o outro. E até por imaginar histórias mil caso contrariemos este outro de alguma maneira. É, assim, o que IMAGINAMOS que o outro vá gostar mais em nós. Não somos nós, mas o que achamos que o outro vá gostar mais em nós se formos assim ou assado. E ter que agir sempre assim, convenhamos, pode ser desgastante e leva a sentimentos de frustração por não se estar sendo o que realmente se quer ser. Nestes casos, é preciso estar alerta para o quanto somos o que achamos que o outro quer que sejamos e anulamos o nosso ser em sua essência.

E no caso de realmente acreditarmos no que dizemos que somos? Ah, neste caso a fórmula é a seguinte: Seu discurso é condizente com suas atitudes? É comum nos constituirmos segundo modelos que recebemos. Como nossos pais, ou um deles. É o tentar ser igual ou tentar ser justamente o oposto. É o pai que gosta de azul e o filho, para contrapor, gostar de vermelho. E anunciar ao mundo que gosta de vermelho, que lutará pelo vermelho e que andará com amigos que também gostam de vermelho. Mas seu comportamento é totalmente azul, trata algumas pessoas como um amante do azul trataria e embora discurse princípios de quem gosta de vermelho, age com princípios azuis. Há quem venda a imagem quase paz e amor de desapego às regras, postará fotos nas redes sociais para legitimar a história que criou para si com “likes” e torna-se alguém a criar constantemente mecanismos para sustentar esta imagem. Ou seja, cria princípios e valores próprios para manter o controle dessa personagem necessária. Porque, afinal, este filho, no fundo, aproxima-se do que rejeita neste pai muito mais do que quer acreditar. E por não ser na essência o que diz ser, também sofre, ainda que não saiba muito bem o porque.

Sim, na prática, reconhecer-se como alguém diferente do que dizemos ser não é simples. Muito mais do que agirmos para estarmos dentro das normas de regem nossa civilização, o fazemos por motivos que ora desconhecemos, ora nos aproxima de conteúdos que nos fazem preferir engolir nossas vontades para não voltarmos a estes motivos. Mas como cuidar e curar aquele machucado sem toca-lo? Quem sabe seja possível você conhecer um pouco mais do que você é. E isso pode não ser tão ruim como você imagina.

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