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"Você pode saber o que disse, mas nunca o que o outro escutou." – O que podemos dizer sobre isso?


O psicanalista francês Jacques Lacan é conhecido por uma certa complexidade na apresentação de suas teorias, mas a frase que anuncia esse texto caiu no gosto popular, talvez por traduzir tão bem situações nas quais falamos algo e parece haver algum curto circuito na comunicação, para então nos darmos conta de que a mensagem captada foi bem diferente daquilo que você queria transmitir. O que entra em jogo é a subjetividade de cada um. Ou seja, carregamos, tanto nas palavras que dizemos como nas palavras que ouvimos um mundo do qual só nós sabemos ou cremos saber. O valor das palavras se distingue para locutor e ouvinte a partir de suas experiências, expectativas, o momento em que se está e não só isso. O que o locutor representa para o ouvinte e vice versa também irá compor essa panaceia que parecia ser um simples comunicado de algo.

Então, que tal complicar um pouco mais? Vamos lá com alguns exemplos. Pensemos no que sentimos quando alguém nos diz “eu te amo”. Poderíamos afirmar que depende de quem o diz. Se partir de alguém de quem desejamos ouvir tais palavras, podemos sentir-nos realizados, felizes, realmente amados. Entretanto, sabemos o quanto essa pessoa realmente nos ama? Sobre a pessoa que o disse, ela refletiu seu próprio sentimento ou apenas atendeu ao desejo de quem queria ouvir dela um “eu te amo”? Ainda com essa frase, se partir de alguém que não amamos, ou que não podemos corresponder ao amor anunciado, podemos sentir-nos incomodados, compadecidos ou até indiferentes, a depender, justamente, da relação que há entre esses interlocutores. Mas é possível complicar ainda mais, quando as palavras pronunciadas são distorcidas e ouvidas de uma maneira muito diferente do que se intencionou dizer. Vamos supor que você conheça alguém muito querido que construiu uma casa baseada num belo projeto de moradia, quarto com suíte, outro para a criança, sala cozinha, quintal etc. A estrutura da casa em si ficou pronta, mas anos depois você ainda vê partes inacabadas e, tomado por um sentimento de tristeza por a pessoa não ter podido concluir seu projeto, diz precisamente que lamenta o que não pôde ser concretizado. Ao que a pessoa responde: você está dizendo que minha casa é uma porcaria? Já viu essa casa suja? E por aí vai num grande e profundo mergulho em questões que dizem muito mais de quem ouviu do que de quem tentou dizer algo completamente diferente. Podemos piorar ainda mais. Suponhamos que o que foi compreendido pelo ouvinte seja passado adiante a outra pessoa. Esta, muito provavelmente, irá temperar o que escuta, por sua vez, com suas próprias questões, permeadas pela relação que tem com este que lhe transmite algo que toma como verdade e, ainda que ouça algo cada vez mais distante do que o primeiro locutor tentou exprimir, romperá furiosamente com este, estabelecendo um pacto que aquele que lhe conta uma história que há muito foi deturpada. E todos sairão, em alguma medida, feridos.

Acredito que muitos terão uma imensidão de outros exemplos. Os tais mal-entendidos, os “não foi isso que eu quis dizer”. Não há garantia alguma de que aquilo que você deseja transmitir, por mais legítimos que sejam seus sentimentos e bem intencionadas que sejam suas palavras, de que quem as recebe as acolherá na mesma medida. Para haver um diálogo e uma boa escuta, é preciso levar em conta essas nuances. Nem sempre conseguiremos nos assegurar de que o outro lado ouvira precisamente o que quisemos dizer, mas certamente, se há uma reação extremada a algo que nos é dito, precisamos parar para pensar no que isso fala sobre nós. Às vezes, compartilhamos o que sentimos no desejo de que esse sentimento seja reconhecido e acolhido. Mas se a pessoa que está no lugar de receptadora desse sentimento não for capaz de reconhece-lo, e até mesmo se coloca em posição de ataque e negação, sairemos frustrados. Ou se estabelecerá uma guerra de exigências sobre qual sentimento merece mais reconhecimento. Neste caso, é melhor se perguntar se estamos depositando nossas palavras no lugar certo. E o que é esse lugar certo, é tema para outra conversa. Feliz é o encontro onde a palavra dita e a palavra escutada satisfaz aos desejos de cada um.

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